A Validade dos Contratos de Pessoa Jurídica (PJ) nas Empresas e Terceirizados: O que Pode e o que Não Pode
- Misael Alexis de Moraes
- 19 de jun.
- 7 min de leitura

Com o advento da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), uma das grandes discussões que ganhou espaço no meio jurídico e empresarial foi a ampliação do uso de contratos com prestadores de serviços como Pessoa Jurídica (PJ). Muitos empresários passaram a considerar esse modelo como alternativa à tradicional contratação sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por ser menos onerosa. Mas afinal, quando é lícito contratar um trabalhador como PJ? E quando essa relação esconde uma verdadeira relação de emprego?
1. A Reforma Trabalhista e a Prestação de Serviços por PJ
A Reforma Trabalhista não legalizou o que já era vedado: a pejotização fraudulenta, ou seja, a contratação de um trabalhador como PJ apenas para mascarar uma relação de emprego. O que a Reforma fez foi reforçar a possibilidade de contratação lícita de autônomos (art. 442-B), inclusive com exclusividade e continuidade, desde que ausentes os elementos configuradores do vínculo empregatício.
2. Elementos do Vínculo Empregatício (art. 3º da CLT)
Para se configurar uma relação de emprego, são necessários os seguintes elementos:
Pessoalidade: o trabalho deve ser prestado pela própria pessoa contratada, sem possibilidade de substituição.
Onerosidade: há pagamento pelo trabalho.
Subordinação: o trabalhador está sob ordens, fiscalização e controle do tomador de serviços.
Não eventualidade (habitualidade): o trabalho é contínuo e integrado à atividade do contratante.
Se esses requisitos estiverem simultaneamente presentes, há uma relação de emprego, mesmo que o contrato seja formalmente de prestação de serviço entre pessoas jurídicas.
Embora o contrato celetista só possa ser firmado, no polo empregatício, com pessoas físicas, se o trabalhador contratado sob a forma de pessoa jurídica, na prática, exercer suas funções como pessoa física, reunindo os quatro elementos caracterizadores da relação de emprego — pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade —, o Juiz do Trabalho poderá reconhecer o vínculo empregatício. Nesse caso, poderá determinar a devida anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), bem como condenar o contratante ao pagamento das verbas trabalhistas correspondentes, tais como férias acrescidas de um terço, 13º salário, FGTS, horas extras, aviso prévio e eventuais multas rescisórias.
3. Quando é Válido Contratar como PJ?
É válida a contratação via PJ quando o profissional:
Possui autonomia técnica e gerencial;
Não está subordinado a ordens diretas ou controle de horários rígidos;
Pode prestar serviços para outros contratantes;
Tem liberdade para organizar sua rotina e agenda, salvo o compromisso profissional acordado;
Assume os riscos do próprio negócio.
Vamos a alguns exemplos práticos por ramo, bem como outras relações de trabalho inerentes a tais ramos:
A) Pizzarias e Restaurantes
Válido: motorista ou entregador que atua como microempreendedor e atende múltiplos estabelecimentos, organizando seus próprios horários, sem exclusividade, e sem controle rígido de rota ou jornada, salvo o compromisso já firmado para prestação efetiva.
Inválido: Um entregador de pizza que usa farda, cumpre horário fixo, tem chefe imediato, recebe ordens de rota e está à disposição da pizzaria todos os dias da semana – isso é relação de emprego, mesmo que ele tenha CNPJ.
B) Escritórios de Advocacia
Válido: Um advogado sênior, com escritório próprio, que presta consultoria em Direito Tributário para vários escritórios de advocacia, inclusive comparecendo esporadicamente para reuniões presenciais, pode ser contratado como PJ.
Inválido: Um advogado que bate ponto, recebe ordens diretas, atua exclusivamente para o escritório e não tem autonomia quanto ao volume ou forma de trabalho – aqui há subordinação clara e vínculo empregatício disfarçado.
Estagiários: Os estagiários de Direito devem ser contratados conforme a Lei nº 11.788/2008 (Lei do Estágio). Não podem exercer atividades típicas de advogado, nem estar sujeitos à subordinação como se fossem empregados. A supervisão deve ser pedagógica, com plano de atividades e carga horária limitada (6h diárias ou 30h semanais).Se o estagiário estiver, na prática, cumprindo rotinas jurídicas típicas de advogados, sob ordens rígidas e sem vínculo com instituição de ensino, pode ser reconhecido vínculo de emprego.
Advogados Associados (art. 17-A e seguintes do Estatuto da OAB e Provimento 112/2006 da OAB):É possível o advogado atuar como associado de um escritório, sem vínculo empregatício, desde que haja contrato escrito com cláusula expressa de ausência de subordinação e remuneração proporcional à produtividade ou participação nas receitas do escritório. No entanto, se o advogado associado estiver submetido a controle de jornada, ordens hierárquicas, metas e obrigações típicas de subordinado, a Justiça do Trabalho pode reconhecer o vínculo de emprego, a despeito da nomenclatura do contrato.
C) Escritórios de Contabilidade
Válido como PJ: Um profissional de contabilidade que atua como pessoa jurídica, prestando serviços para diversos clientes, incluindo escritórios contábeis, com autonomia para gerenciar sua própria agenda e métodos de trabalho, é legítimo como PJ. Por exemplo, um contador ou técnico contábil que realiza auditorias, consultorias fiscais ou prepara declarações para várias empresas diferentes, emitindo notas fiscais, sem subordinação direta, pode ser contratado nessa modalidade.
Também é comum que consultores especializados em determinadas áreas (como planejamento tributário ou folha de pagamento) prestem serviços eventuais ou periódicos, sem vínculo empregatício, desde que mantenham autonomia.
Inválido como PJ (pejotização): Quando o profissional de contabilidade, mesmo com CNPJ, cumpre jornada fixa, está subordinado a um gerente do escritório, não pode atender outros clientes e executa tarefas de rotina sob ordens diretas, caracteriza-se vínculo de emprego. Exemplo típico: um auxiliar contábil que presta serviços apenas para um escritório específico, com horário fixo e supervisão direta, mas está formalmente contratado como PJ para evitar encargos trabalhistas. Nesse caso, a Justiça do Trabalho pode reconhecer a relação empregatícia.
D) Consultórios Médicos e Odontológicos
Válido: Um cirurgião-dentista com CNPJ próprio, que atende pacientes em várias clínicas, faz sua própria agenda e recebe por procedimento, pode atuar como PJ legitimamente. O mesmo vale para médicos especialistas que atuam como plantonistas independentes em diversas clínicas, sem vínculo de subordinação.
Inválido: Um médico plantonista que segue escala imposta pela clínica, não pode indicar substitutos, é obrigado a atender com uniforme do local, e é supervisionado por coordenador – essa situação configura vínculo empregatício, mesmo com contrato de PJ.
Estagiários de Odontologia e Medicina: Estudantes dessas áreas podem realizar estágios obrigatórios ou não obrigatórios, desde que vinculados a instituição de ensino e dentro dos parâmetros da Lei nº 11.788/2008 (Lei do Estágio). O estágio deve ser supervisionado, com plano de atividades compatível com a formação acadêmica, jornada limitada (máximo de 6h por dia) e sem substituição de profissionais formados, não podendo fazer procedimentos completos em total substituição do profissional habilitado.
Residentes de Medicina
Os médicos residentes não são trabalhadores comuns, tampouco estagiários. Sua atividade é regulada pela Lei nº 6.932/1981, que define a residência médica como uma modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, com carga horária intensiva (60 horas semanais) treinamento em serviço, sob supervisão direta e com bolsa paga pelo governo federal (Ministério da Saúde).
· Não existe vínculo empregatício com hospitais ou clínicas em que atuam como residentes, salvo se exercerem atividades fora do escopo da residência.
· Irregularidade: se o residente for compelido a executar tarefas sem vínculo com a residência, como plantões comerciais fora da programação do programa, sob ordens diretas e controle de jornada, poderá haver caracterização de vínculo de emprego paralelo.
4. Consequências da "Pejotização"
Se for reconhecido que a relação de PJ escondia um contrato de trabalho, o empregador poderá ser condenado ao pagamento de verbas rescisórias, FGTS, INSS, férias, 13º, horas extras, entre outras, além de multas e contribuições previdenciárias.
5. Cuidados Recomendados
Para empresas que desejam adotar modelos com PJs de forma lícita, recomenda-se:
Evitar exclusividade (quando possível);
Não impor hierarquia direta;
Não controlar jornada de trabalho, cumprimento tão somente do dia agendado para prestação de serviço;
Redigir contratos com cláusulas claras de autonomia e risco do negócio;
Exigir o registro do CNPJ e notas fiscais de prestação de serviços.
6. Trabalhadores Terceirizados
A terceirização de serviços de limpeza e segurança é uma prática consolidada no Brasil, regulamentada pela Lei nº 13.429/2017, pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e pela Súmula 331 do TST. Essa modalidade permite que empresas contratem terceiros para atividades-meio, sem que haja vínculo empregatício direto entre os trabalhadores terceirizados e a contratante, desde que respeitados os requisitos legais.
Entretanto, a empresa contratante possui responsabilidade subsidiária pelo cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela prestadora, devendo fiscalizar rigorosamente pagamentos, recolhimentos e condições de trabalho. A celebração de contrato formal, com cláusulas claras sobre direitos e deveres, é fundamental para evitar passivos e garantir a segurança jurídica.
Na prática, empresas contratam prestadoras para serviços de limpeza e vigilância, que possuem funcionários registrados sob seu próprio CNPJ e atendem a múltiplos clientes. A contratante deve evitar a contratação direta de trabalhadores como pessoa jurídica para esses serviços, pois isso pode configurar “pejotização” e ensejar reconhecimento do vínculo empregatício pela Justiça do Trabalho.
Assim, a terceirização nessas áreas é lícita e vantajosa quando acompanhada de uma seleção criteriosa do prestador, monitoramento constante das obrigações trabalhistas e inserção de cláusulas contratuais rigorosas, preservando os direitos dos trabalhadores e reduzindo riscos legais para a empresa tomadora dos serviços.
Ademais, a Reforma Trabalhista promoveu alterações significativas na Lei nº 6.019/1974, introduzindo o art. 4º-A, que passou a regulamentar expressamente a possibilidade de terceirização em qualquer atividade da empresa, inclusive em suas atividades-fim.
Outra importante novidade trazida pela Lei nº 13.429/2017, alterando a Lei 6.019/1974, foi a exigência de que a empresa prestadora de serviços seja pessoa jurídica devidamente registrada, com capital social proporcional ao número de empregados contratados, conforme critérios definidos em regulamento. A norma também passou a permitir que o trabalhador terceirizado atue dentro das dependências da empresa contratante, sem que isso gere automaticamente vínculo de emprego, desde que a subordinação jurídica permaneça com a empresa prestadora.
Além disso, a lei assegurou aos trabalhadores terceirizados diversas garantias mínimas, como condições de segurança, higiene e salubridade equivalentes às oferecidas aos empregados da contratante, quando os serviços forem prestados nas mesmas instalações.
7. Conclusão
Consulte sempre o setor de Recursos Humanos e um advogado especializado para estruturar um organograma empresarial adequado, identificando corretamente quais funções devem ser preenchidas por empregados celetistas, quais podem ser exercidas por prestadores de serviços autônomos (PJs) e quais são passíveis de terceirização, conforme os limites legais.
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