As Exigências Documentais para Ação de Usucapião: Um Guia Prático com Base na Jurisprudência Paulista
- Misael Alexis de Moraes
- 13 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de jun.

Introdução
A usucapião, instituto tradicional do Direito Civil, representa forma originária de aquisição da propriedade e está condicionada ao exercício da posse contínua, pacífica e com animus domini, prevista nos artigos 1238 e seguintes do Código Civil. Embora o instituto seja amplamente estudado na teoria, sua efetiva aplicação prática depende do atendimento de rigorosos requisitos legais e documentais, tanto para o processamento judicial quanto para a via extrajudicial, conforme permite o artigo 216-A da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).
Este artigo se propõe a detalhar, com base na prática forense do Tribunal de Justiça de São Paulo e das Varas de Registros Públicos da capital paulista, quais são os documentos indispensáveis à instrução da ação de usucapião, ordinária ou extraordinária, bem como destacar boas práticas para sua correta organização.
1. Documentos Probatórios da Posse e do Animus Domini
O cerne da usucapião é a posse qualificada. Muito embora, os requisitos sejam mais simples pelo Código Civil, a prática forense exige diversos documentos. Assim, no dia a dia forense cabe ao autor da ação demonstrar:
Comprovação do tempo de posse: mínimo de 10 anos para a usucapião ordinária (com justo título e boa-fé) ou 15 anos para a extraordinária.
Provas materiais: boletos de IPTU, contas de energia elétrica (ENEL) e de água/esgoto (SABESP), preferencialmente um boleto por ano do período aquisitivo.
Declarações das concessionárias: Ofícios judiciais protocolados diretamente pela parte diretamente às concessionárias, requisitando histórico de titularidade e informações sobre consumo.
Cartas de anuência: dos confrontantes tabulares e de fato, com firma reconhecida, quando possível.
Fotos e imagens históricas: internas e externas do imóvel, bem como imagens do Google Maps e Street View, no início e no fim do período aquisitivo.
2. Qualificação Cadastral e Fiscal do Imóvel
A documentação fiscal do imóvel é essencial para comprovação da área e do valor venal:
Certidão eletrônica de dados cadastrais e valor venal atual (extraídas geralmente de forma gratuita pelo site da Municipalidade);
Certidão negativa de débitos de IPTU;
Certidão dos confrontantes, se disponível, ou então dados obtidos junto aos próprios vizinhos.
Além disso, exige-se que o valor da causa corresponda ao valor venal do imóvel, ou, alternativamente, a uma avaliação mercadológica realizada por profissional habilitado.
3. Documentação Técnica e Urbanística
O imóvel deve ser individualizado por:
Planta em formato digital (PDF);
Memorial descritivo;
Levantamento planimétrico cadastral;
Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT), emitido por engenheiro, arquiteto ou topógrafo.
Ficha de uso do solo/zoneamento, obtida no GeoPortal da Prefeitura.
A ausência desses elementos pode inviabilizar a identificação da área usucapienda, sobretudo quando não há matrícula imobiliária individual.

4. Qualificação das Partes e Procedimentos Judiciais
A qualificação completa das partes e interessados é indispensável:
RG, CPF e comprovantes de endereço dos autores e eventuais cônjuges ou ex-cônjuges;
Se requerida a justiça gratuita, Declaração de Hipossuficiência, Declaração de isenção do IRPF ou cópia da última declaração de imposto de renda, acompanhada de comprovantes bancários e de rendimentos (INSS, contracheques, etc.);
Certidão de casamento ou nascimento atualizada;
Inclusão do ex-cônjuge no polo ativo, se a posse teve início na constância do casamento, ou apresentação de sua anuência expressa.
Nos casos de separação ou inventário, admite-se a apresentação de declaração do ex-cônjuge, com firma reconhecida, ou de partilha judicial homologada, que atribua o imóvel exclusivamente ao autor.
5. Certidões Judiciais e Regularidade da Posse
Para comprovar a ausência de litígios sobre o imóvel:
Certidão do Distribuidor Cível em nome do(s) autor(es), cônjuge(s), antecessores na posse, titulares originários de domínio sobre o imóvel (ou da área maior), abrangendo os últimos 20 anos;
Se houver ações possessórias ou petitórias: apresentação de certidões de objeto e pé ou peças do processo que esclareçam a situação;
Certidões de inventário ou arrolamento, caso os proprietários originários tenham falecido nos últimos 20 anos, para possibilitar a citação de herdeiros.
6. Opção pela Usucapião Extrajudicial
O novo CPC (art. 1.071) e a Lei 13.465/2017 estimularam a desjudicialização do procedimento.
No procedimento extrajudicial, realizado diretamente no cartório de registro de imóveis competente, o silêncio dos confrontantes e proprietários é interpretado como anuência tácita, conforme art. 216-A, §2º, da LRP. Ainda assim, os documentos exigidos são, em grande parte, os mesmos da via judicial.
7. Orientações Essenciais para a Contratação de Profissionais no Processo de Usucapião
É fundamental que o interessado na usucapião consulte ou contrate um advogado especializado em Direito Imobiliário e Direito Civil, com comprovada experiência na área. A atuação do profissional capacitado pode evitar retrabalhos, indeferimentos iniciais e perdas de prazo.
Antes da contratação, recomenda-se agendar consulta jurídica formal, apresentando ao advogado a maior parte da documentação já disponível. Nessa oportunidade, exija parecer escrito, ainda que breve, no qual o profissional manifeste sua opinião fundamentada sobre os requisitos mínimos para o reconhecimento da usucapião no seu caso específico.
No momento da formalização do contrato de honorários, negocie cláusulas claras e objetivas, tais como:
· Apresentação de cronograma (calendário) de providências, com indicação dos documentos remanescentes a serem obtidos, os órgãos emissores, o custo estimado e o prazo para obtenção;
· Divisão escalonada dos honorários, com pagamento de parte no ajuizamento da ação e o restante condicionado ao êxito da demanda, o que protege tanto o cliente quanto o advogado contra frustrações ou descompassos.
Além da assessoria jurídica, será necessária a contratação de engenheiro, arquiteto ou topógrafo devidamente habilitado para a elaboração da planta, memorial descritivo e levantamento planimétrico. Nesse ponto, é prudente escolher um profissional com experiência comprovada em ações de usucapião, e que conheça as exigências específicas dos cartórios e do Poder Judiciário.
Na contratação do técnico, insira cláusula contratual prevendo a possibilidade de retificação gratuita da planta ou do memorial, caso alguma autoridade (cartório ou juízo) identifique falhas técnicas ou inconsistências formais que impeçam o andamento do processo.
Considerações Finais
A correta e completa instrução documental da ação de usucapião é fator determinante para sua tramitação célere e êxito final. A ação de usucapião geralmente não é contestada por terceiros, mas justamente se for impugnada judicialmente, a correta instrução do processo fornecerá subsídios probatórios para o Juízo declarar a procedência da usucapião em favor da parte autora da ação.
A negligência com requisitos aparentemente “burocráticos” pode ensejar o indeferimento da inicial ou prolongar desnecessariamente o processo.
Diante disso, recomenda-se:
Organização prévia dos documentos em pastas físicas e digitais;
Tabela de custos estimados para cada etapa (certidões, taxas, honorários técnicos);
Agenda de controle dos prazos e locais de retirada dos documentos;
Busca de anuências antecipadas, evitando futuras citações custosas e morosas.
O advogado, por sua vez, deve promover uma indexação ordenada dos documentos no processo eletrônico, conforme boa prática forense, otimizando o exame pelo Juízo e colaborando para a efetividade jurisdicional.
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