Incapacidade Civil – Breve Quadro das Mudanças Legislativas e da Inclusão da Pessoa com Deficiência
- Misael Alexis de Moraes
- 17 de dez. de 2019
- 7 min de leitura

O conceito de incapacidade no Direito Civil Brasileiro, e a própria teoria das incapacidades vêm se mostrando variáveis ao longo do tempo. Apesar de ser um tema clássico dentro do Direito Civil, a teoria foi se transmutando com o passar das gerações, das influências médicas, sociológicas, e do próprio entendimento jurídico de capacidade e incapacidade.
Importante, preestabelecer que nenhuma legislação anterior, pretendia cassar direitos, por discriminação, mas legislavam, no intento de proteger o patrimônio dos considerados incapazes, não considerados maduros pelo sentimento jurídico-social de sua época. Conforme o jurista Carlos Roberto Gonçalves, não existiria incapacidade de direito, porque todos são capazes de adquirir direitos com o nascimento, todavia pode haver sua incapacidade de fato ou de exercício.
Nesse sentido, a plena capacidade, no Código Civil de 1916, era conferida a “todo homem”, uma vez que a mulher, quando casada, passava a ser relativamente incapaz, mesmo tendo alcançado a maioridade (21 anos à época), conforme artigos 2º c.c. 6º, inciso II, do Código Civil revogado. Com o advento do Código Civil de 2002, a capacidade foi conferida a “toda pessoa”, uma vez que a Constituição Federal em 1988, conferiu absoluta igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, art. 5º, inciso I.
Portanto, atualmente, basta se alcançar a maioridade de 18 anos para obter a plena capacidade civil, seja homem ou mulher. Todavia, por certo, há exceções, tanto para antecipar a capacidade, hipóteses do artigo 5º do Código Civil, bem como para restringir a capacidade de exercício.
Desta feita, precisamos assentar que esse conceito se metamorfoseou internamente, ainda que somente se classifique em três tipos de pessoas quanto à capacidade de exercício: capazes, relativamente incapazes, e absolutamente incapazes.
Vejamos que o Código Civil revogado previa uma gama mais extensa de variação no que concerne à capacidade das pessoas, entre os absolutamente incapazes estavam: i) os menores de dezesseis anos, ii) loucos de todos os gêneros (inclusos psicopatas), iii) surdos-mudos incapazes de expressar a sua vontade, iv) os declarados ausentes.
Ainda no Código Civil de 1916, a extensão de relativamente incapazes, era mais extensa que a atual, senão vejamos: i) os maiores de 16 anos e os menores de 21 anos, ii) as mulheres casadas, na vigência do matrimônio, iii) os pródigos, iv) silvícolas (indígenas).
Dessa forma, pode se considerar que para a sociedade brasileira tais classificações foram úteis e juridicamente adequadas ao século XX, uma vez que tais classificações foram inalteradas legislativamente até o início do novo século XXI, com o Código Civil de 10 de janeiro de 2002.
Todavia, o atual Código Civil, em sua redação original, veio com alteração significativa no que toca à capacidade e às incapacidades civis. Pela redação original, assim constava os absolutamente incapazes: i) os menores de dezesseis anos; ii) os que, por enfermidade ou deficiência mental, sejam incapazes de ter discernimento para os atos da vida civil; iii) os que por causa transitória sejam incapazes de exprimir sua vontade.
Pela redação original do atual Código, os relativamente incapazes eram: i) os maiores de 16 anos e menores de 18 anos; ii) os ébrios habituais, viciados em tóxicos, deficiente mental com discernimento reduzido; iii) os excepcionais sem desenvolvimento completo; iv) os pródigos.
Dessa forma, essa redação até pouco vigente, visava em contraponto ao CC/16 incluir claramente os alcoólatras habituais e viciados em drogas como relativamente incapazes, bem como retirou definitivamente a incapacidade relativa da mulher casada, e deixou somente para a legislação especial a capacidade dos indígenas (Lei 6.001/73 – Estatuto do Índio).
A mudança nos absolutamente incapazes foi ampla, retirando a expressão “loucos de todos os gêneros”, substituindo por enfermidade ou deficiência mental capaz de impedir o discernimento para a prática dos atos da vida civil; retirando o status de incapaz dos surdos-mudos e dos ausentes; incluindo as pessoas que por causa definitiva ou transitória, não pudessem exprimir sua vontade, o que incluía grande variedade de situações, como exemplifica Gonçalves: arteriosclerose, excessiva pressão arterial, paralisia, hipnose.
Em que pese, não ter havido forte oposição dos juristas civilistas sobre as questões então tratadas, tal classificação não teve extenso período de vigência em comparação ao Código Civil de 1916. A modificação veio pelos estudiosos do Direito das Pessoas com Deficiência, que lograram êxito com o advento da Lei 13.146 de 06 de julho de 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Essa lei, além de propor condições mais favoráveis às Pessoas com Deficiência, impondo novos deveres à particulares e ao Poder Público, alterou diversas limitações às pessoas com deficiência no Código Civil, até então tidas por não discriminatórias.
Dessa forma, a nova lei retirou vedação de deficientes para testemunharem em juízo; a nulidade do casamento contraído por enfermo mental sem discernimento, podendo a agora o deficiente mental ou intelectual contrair matrimônio expressando diretamente a sua vontade ou por meio de curador; a retirada de hipótese de ‘erro essencial sobre a qualidade da pessoa’, quando a pessoa tiver deficiência física ou mental, não tornando mais o casamento anulável por tais fatos, o que, esclareça-se, não veda o divórcio, mas tão somente a anulação.
Outrossim, foram retirados diversos poderes do curador do Código Civil e acrescentado uma nova espécie de assistência, até então desconhecida dos meios clássicos do Direito Civil, “Da Tomada da Decisão Apoiada”, a qual será requerida perante o Juízo, segundo o art. 1.783-A do Código Civil: A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.
Pois bem, na nova classificação do Código Civil, alterado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, entre absolutamente incapazes, restaram tão somente, os menores de 16 (dezesseis) anos, sem exceção alguma. Esses, segundo o artigo 1.690, CC/2002 deverão ser representados pelos seus pais, enquanto os maiores de 16 anos e menores de 18 anos (relativamente incapazes) deverão ser assistidos por seus pais. De igual forma, se estiverem sob poder de tutela, conforme art. 1747, inciso I, do Código Civil.
Entre os relativamente incapazes, na atual redação do Código Civil, houve supressão e adição de pessoas, restando atualmente os seguintes: i) os maiores de dezesseis e menores de 18 anos; ii) os ébrios habituais e viciados em tóxico; iii) aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade; iv) os pródigos.
Dessa forma, podemos inferir que as pessoas com deficiência física ou mental não são consideradas incapazes absolutamente nem relativamente, não estando sujeitas ao processo de interdição do Código de Processo Civil, disposta entre seus artigos 747 a 758, a não ser que cumulem a condição de viciados em tóxicos ou alcoólatras, conforme entendimento do professor e jurista Flávio Tartuce.
Pelo contrário, a partir do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em prol da inclusão da pessoa com deficiência, ficou assegurado em seu artigo 6º que a deficiência física, mental não afeta a capacidade civil da pessoa, inclusive para: i) casar-se e constituir união estável; ii) exercer direitos sexuais e reprodutivos; iii) exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; iv) - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; v) exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; vi) exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Portanto, houve louvável processo de inclusão às pessoas com deficiência!
Não obstante, como ponto negativo, da alteração da legislação pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, houve a supressão do direito de impedimento de prescrição estabelecido no artigo 198, inciso I, do Código Civil, pois lá previa que não corriam os prazos de prescrição contra os absolutamente incapazes do artigo 3º. Assim, excluindo-se da benesse do impedimento de prescrição os deficientes mentais, os que por causa permanente ou transitória não puderem exprimir sua vontade.
Assim da mesma forma que a norma inclui pessoas, outrora absolutamente excluídas de capacidade, retira certos direitos antigos, pois as iguala em direitos e obrigações. Assim, o deficiente mental, que for submetido a qualquer defeito de negócio jurídico, terá que observar o mesmo prazo prescricional, estabelecido em lei para pessoas sem deficiência.
Faz-se essa ressalva de perdas de direitos, para que seja efetivado o princípio da isonomia, na esfera civil, mas que o portador de deficiência mental não venha a sofrer progressivamente perda de outros direitos e eventualmente: i) seja considerado imputável pela legislação penal, e recluso em presídio comum, ii) não perca direitos trabalhistas de quotas de funcionários nas empresas privadas, e vagas especiais nos concursos públicos; iii) direito ao benefício de prestação continuada ao deficiente quando impróprio ao trabalho e de baixa renda na esfera da assistência social, ou aposentadoria por invalidez no âmbito previdenciário; iv) direito à isenção de impostos na compra de veículos adaptados na área tributária.
Ademais, na própria esfera civil, haja vista que o intuito ao restringir a capacidade de fato, foi para proteção do patrimônio do incapaz, a Jurisprudência terá que encontrar dentro do princípio da boa-fé objetiva, proteção ao patrimônio das pessoas com deficiência mental, que forem vítimas dos defeitos dos negócios jurídicos, ainda que possuam, pela nova legislação, a capacidade de exercício. A nosso sentir, não poderá o negociante de má-fé que tratou com deficiente mental, invocar a sua capacidade civil, para se furtar de eventual anulação, na hipótese de malefício evidente ao patrimônio do deficiente.
Destarte, apesar de igualar a pessoa com deficiência em questões de igualdade civil, é importante garantir os demais direitos, já conquistados, ainda que desiguais, mas obtidos pelo princípio da isonomia.
Quanto a teoria das incapacidades, os juristas e as doutrinas civilista e processualista, terão que remodelar profundamente o tema, diante das mudanças legislativas, para coesão do Direito Civil Brasileiro e para a própria e adequada compreensão e incorporação cotidiana do tema pela sociedade.
留言