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Sanções da Lei Seca e as garantias individuais

  • Foto do escritor: Misael Alexis de Moraes
    Misael Alexis de Moraes
  • 30 de jun. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 23 de jun. de 2022


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Um dos assuntos mais controversos entre condutores de veículos e demais cidadãos é a atuação da chamada ‘Lei Seca’. Ninguém defende condutores alcoolizados, é um perigo para os demais condutores, e para os pedestres, pois os reflexos normais da visão, da coordenação motora, e da audição são afetados; todavia a forma com que a fiscalização é concebida gera muitas controvérsias sociais e jurídicas.

Pelo sentido social, por um lado há pessoas que dirigem sob influência de álcool com desprezo pelas eventuais consequências, todavia há pessoas que ingerem álcool em decorrência de um evento inesperado no seu dia-a-dia, como um evento social, em que pessoas te convidam a experimentar um drinque, ou comem alimentos com algum teor de álcool na sua composição.

Para equilibrar tal situação o limite de teor alcoólico no sangue, pelas redações antigas do Código de Trânsito Brasileiro, previa um limite de tolerância, que dava para distinguir o uso tolerável de álcool (até seis decigramas por litro de sangue) e o consumo exagerado para quem pretende ainda conduzir um veículo.

Todavia, atualmente a legislação de trânsito prevê um limite de consumo de álcool zero (art. 276, CTB), ou seja, tolerância zero para quem consome álcool e dirige veículo. A margem de tolerância é somente para erros da aparelhagem (0,04 miligramas por litro de ar pulmonar).

Ademais, a legislação de trânsito tenta impor nos condutores a total obrigatoriedade de se submeter ao exame de etilômetro (bafômetro), caso não seja comprovada total ausência de álcool no organismo, será autuada multa gravíssima, com valor da multa multiplicado por 10 vezes, suspensão do direito de dirigir por 12 meses, apreensão do veículo ou outro condutor sóbrio pode ser chamado para dirigir o veículo em substituição do autuado.

Tais punições são aplicadas ao condutor que se verifica estar manifestamente embriagado, ao que tenha ultrapassado o limite máximo (0,04 mg/l de ar pulmonar), limite zero, e ao que se recusa a se submeter ao bafômetro.

Todavia, se ultrapassando determinado limite de teor alcoólico no sangue (6 decigramas por litro de sangue), ou ‘litro de ar alveolar’ (0,3 miligrama por litro de ar alveolar), o autuado está sujeito a responder criminalmente, nos termos do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, com uma pena de detenção de seis meses a três anos.


Ou seja, a não ser que o cidadão tenha certeza de que não há nenhuma concentração de álcool no organismo, realizando o teste do bafômetro poderá eventualmente responder penalmente, mesmo que a concentração não tenha influenciado na sua condução.

Desse modo, a prática mostrou que inúmeros condutores preferem receber todas as penalidades administrativas (suspensão do direito de dirigir, multa, apreensão do veículo) do que arriscar a ‘absolvição absoluta’ em contrapeso da sua eventual incriminação. Para a maioria das pessoas, seu único patrimônio é a ausência de antecedentes criminais.

Todavia, o que a maioria dos condutores não sabe é que há entendimentos jurídicos de juristas, bem como de tribunais estaduais e federais, de que o ordenamento jurídico brasileiro, tem princípios e regras que vedam a obrigação de autoincriminação, ou a obrigatoriedade de produzir provas contra si mesmo, e seriam aplicados nesses casos. Outro princípio que a obrigatoriedade do bafômetro viola, é o princípio constitucional de presunção de inocência (Constituição Federal, art. 5º, inciso LVII).


Os artigos 165-A e 277, §3º, do Código de Trânsito Brasileiro, apesar da redação extremamente dúbia, pela interpretação dos agentes de trânsito, autorizariam uma presunção de culpabilidade do condutor que venha a se recusar ao teste do bafômetro. Nesse sentido, todas as penalidades administrativas e pecuniárias serão aplicadas ao condutor que se recusar ao teste do bafômetro.


Todavia, a suspensão do direito de dirigir também é uma sanção penal, pois é uma medida restritiva de direitos (Código Penal, artigo 32, inciso II), e pode implicar na impossibilidade de exercício profissional de determinadas categorias trabalhistas. Desse modo, a Administração aplica além de sanção meramente administrativa como pontuação na CNH e pecuniária de multa, aplica verdadeira sanção penal, sem o processo penal adequado, impedindo o cidadão de conduzir veículo automotor pelo período de 12 (doze) meses.


Nesse sentido, para valorizar a proteção social de um trânsito seguro, bem como preservar os direitos e as garantias individuais do cidadão, a lei poderia aplicar sanção de pontuação em dobro na CNH, e aplicar a multa correspondente, sem a multiplicação por 10 vezes, já sendo uma alternativa adequada na nossa opinião. Todavia, as sanções hoje impostas são extremamente irrazoáveis e desproporcionais, ainda mais quando a Administração não possui qualquer prova ou indício de condução de veículo sob efeito de álcool.

Tal atitude indiscriminada leva ao descrédito as fiscalizações da Lei Seca, pois quem ousa alegar um direito, é taxado como culpado confesso. Além disso, não faltam críticas sociais de “indústria da multa”, o que não contribui para o sucesso das operações.


Ademais, com a tecnologia avançada hipermoderna, aplicativos de GPS informam as localizações das operações de fiscalização, esvaziando o sentido de punir a quem bebe e conduz dolosamente, e autuando mais condutores que ingeriram álcool há horas e não sabem se os rastros maléficos permanecem no seu sangue e no ar pulmonar. Afinal, quem está atuando dolosamente irá se certificar de que não será fiscalizado, e quem está de boa-fé, conduz sem qualquer informação de fiscalização ou blitz.

De maneira alguma, o sentido desse artigo é incentivar o uso de bebidas alcoólicas aliado à condução de veículos, ou ser leniente com tais atitudes, mas trazer a discussão sócio-jurídica entre a proteção social do trânsito seguro, e a proteção dos direitos individuais.


Tendemos a ser favoráveis totalmente à proteção social quando o fato ocorre somente com desconhecidos, mas totalmente favorável à proteção individual quando ocorre com pessoas muito próximas ligadas a nós. Nesse sentido, é perspicaz a discussão dessas normas, para aplicá-las de forma eficaz e justa. Tanto a eficácia quanto a justiça não podem ser dissociadas, e devem permanecer lado a lado.


Observação: O artigo original foi escrito em 2019, mas, em 2022, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 1.224.374 do Rio Grande do Sul, entendeu pela constitucionalidade da "lei do bafômetro" e suas penalidades. Inclusive, considerou improcedentes ações diretas de inconstitucionalidade contra a Lei 11.705/2008 que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais. No entanto mesmo com o fim da discussão jurídica, a discussão pode voltar por meio de alterações legislativas.

 
 
 

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